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Henrique Rodrigues

Atualizado: 28 de fev. de 2022





SONETO DE RECLUSÃO



(O tempo chega torto, vem sem jeito,

Espelho de ampulheta mareada.

É novo esse bolor. Repara, cada

Grãozinho destas horas é refeito


Aquém do lado esquerdo do teu peito,

Feito essa solidão tão povoada

De si, sempre esse nada vezes nada,

No mesmo – e vão – pretérito imperfeito.


Mas vê, no vidro um vulto... Ou mais um engano?

Desperta desse pesadelo humano

Cravado no teu círculo diário!


Destrói esta janela! E então, perplexo,

Verás que a tela e o outro eram um reflexo,

E tudo não passava de um aquário.)





SONETO PARA O TEMPO EM SUSPENSÃO



E aconteceu, chegou sem que esperassem

(Porém, o que aguardar na correria,

Se toda a expectativa é para ontem?),

Mas sim, topamos na parada abrupta.


E é hora de guardar, também o tempo,

Que é toda essa matéria disponível

De cada um, do próximo: as distâncias

São meras convenções, repare só


Que todos os segundos são de areia,

Que todos os silêncios são de tato,

Que o céu e o abismo são da mesma via.


“E a espera?”, murmuramos às galáxias,

Aos deuses, nesse afã de uma resposta

Ao tempo que vier depois do tempo.





SEXTINA DE BUMERANGUE

para Olga Savary e Fernando Py



Num tempo quando tudo é mais do mesmo,

Com ritmo de atropelo da palavra,

E todo dia vira o mesmo dia

Não sei mais o que fica e o que passa.

O teto não é lar, reduz-se a casa,

Onde se tenta em vão guardar a vida.


A liberdade é grande feito a vida;

Pequena agora, veja, agora mesmo

Em que parece tão bonita em casa.

Por ser só desenhada de palavra,

Simula o esquecimento, e também passa

Tal como passará mais este dia.


E o dia é noite, e noite é sempre dia,

Como tem se tornado a nossa vida

– Ou sempre foi assim, pois tudo passa

Num esmo aleatório, sempre o mesmo

Caótico castelo de palavra

Transfigurado num abrigo ou casa?


Tal ideia, veja bem, convence e casa

Com tudo o que se vê no dia-a-dia:

Repete-se, palavra por palavra,

Aquilo que se escuta pela vida

Sem filtro ou tato. Veja você mesmo

Se o seu instante grita, aquieta e passa.


O tempo, tão febril, quase não passa.

Também ficou no claustro de uma casa

De espelhos, bumerangue de si mesmo,

Absorto no vaivém de cada dia.

Daí que a morte invada tanto a vida

De súbito, sem nem dizer palavra.


E a poesia, matéria de palavra,

Ideia que tão fica quanto passa

E se desdobra sobre os vãos da vida?

Vai que ela seja a nova estância, a casa

Na qual cada um se põe num certo dia

E vira espaço e tempo. Dá no mesmo,


Pois tempo é mesmo feito de palavra,

Que, a cada dia, fica enquanto passa,

Que casa com a memória e se faz vida.



 

Nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro. Estudou Literatura e Jornalismo Cultural na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e fez mestrado e doutorado em Literatura na PUC-Rio. Trabalha na gestão de projetos de incentivo à leitura e escrita em todo o Brasil. É autor de 16 livros, entre poesia, conto, crônica, romance, infantil e juvenil. Já palestrou em universidades e eventos culturais no Reino Unido, França, Portugal, Espanha e Bélgica. Seu romance "O próximo da fila" foi publicado na França. É cronista do jornal Rascunho e colunista do portal PublishNews.

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