SONETO DE RECLUSÃO
(O tempo chega torto, vem sem jeito,
Espelho de ampulheta mareada.
É novo esse bolor. Repara, cada
Grãozinho destas horas é refeito
Aquém do lado esquerdo do teu peito,
Feito essa solidão tão povoada
De si, sempre esse nada vezes nada,
No mesmo – e vão – pretérito imperfeito.
Mas vê, no vidro um vulto... Ou mais um engano?
Desperta desse pesadelo humano
Cravado no teu círculo diário!
Destrói esta janela! E então, perplexo,
Verás que a tela e o outro eram um reflexo,
E tudo não passava de um aquário.)
SONETO PARA O TEMPO EM SUSPENSÃO
E aconteceu, chegou sem que esperassem
(Porém, o que aguardar na correria,
Se toda a expectativa é para ontem?),
Mas sim, topamos na parada abrupta.
E é hora de guardar, também o tempo,
Que é toda essa matéria disponível
De cada um, do próximo: as distâncias
São meras convenções, repare só
Que todos os segundos são de areia,
Que todos os silêncios são de tato,
Que o céu e o abismo são da mesma via.
“E a espera?”, murmuramos às galáxias,
Aos deuses, nesse afã de uma resposta
Ao tempo que vier depois do tempo.
SEXTINA DE BUMERANGUE
para Olga Savary e Fernando Py
Num tempo quando tudo é mais do mesmo,
Com ritmo de atropelo da palavra,
E todo dia vira o mesmo dia
Não sei mais o que fica e o que passa.
O teto não é lar, reduz-se a casa,
Onde se tenta em vão guardar a vida.
A liberdade é grande feito a vida;
Pequena agora, veja, agora mesmo
Em que parece tão bonita em casa.
Por ser só desenhada de palavra,
Simula o esquecimento, e também passa
Tal como passará mais este dia.
E o dia é noite, e noite é sempre dia,
Como tem se tornado a nossa vida
– Ou sempre foi assim, pois tudo passa
Num esmo aleatório, sempre o mesmo
Caótico castelo de palavra
Transfigurado num abrigo ou casa?
Tal ideia, veja bem, convence e casa
Com tudo o que se vê no dia-a-dia:
Repete-se, palavra por palavra,
Aquilo que se escuta pela vida
Sem filtro ou tato. Veja você mesmo
Se o seu instante grita, aquieta e passa.
O tempo, tão febril, quase não passa.
Também ficou no claustro de uma casa
De espelhos, bumerangue de si mesmo,
Absorto no vaivém de cada dia.
Daí que a morte invada tanto a vida
De súbito, sem nem dizer palavra.
E a poesia, matéria de palavra,
Ideia que tão fica quanto passa
E se desdobra sobre os vãos da vida?
Vai que ela seja a nova estância, a casa
Na qual cada um se põe num certo dia
E vira espaço e tempo. Dá no mesmo,
Pois tempo é mesmo feito de palavra,
Que, a cada dia, fica enquanto passa,
Que casa com a memória e se faz vida.
Nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro. Estudou Literatura e Jornalismo Cultural na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e fez mestrado e doutorado em Literatura na PUC-Rio. Trabalha na gestão de projetos de incentivo à leitura e escrita em todo o Brasil. É autor de 16 livros, entre poesia, conto, crônica, romance, infantil e juvenil. Já palestrou em universidades e eventos culturais no Reino Unido, França, Portugal, Espanha e Bélgica. Seu romance "O próximo da fila" foi publicado na França. É cronista do jornal Rascunho e colunista do portal PublishNews.
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