TENCEIRO
Prendem a alma os portões da cidade descalça caminha à cela o espírito do réu chave oxidada chega às mãos do opressor a posse e possessão passam pelos crivos a lei não prevê a detenção de errantes cravos entretanto, curva-se entre os pulsos escravos algema a alma ao condenado fedor de seu tenceiro grades pequenas ou maiores retém a alma pequena chave inoxidável abre a mente para que o espírito se liberte tosse e cospe sangue ao chão o mundo sob o jugo do dominador alfinete enfiado do chão ao cume prende a língua entre os lábios na manhã seguinte nasce o sol dentro da cela na gaiola pendurada
à árvore de natal posta à praça da cidade sobre o martelo de injustiça.
IMUNIDADE
Nascemos em bairros onde a luz acende-se à pólvora vagueamos às escuras sonhando com armas iluminantes aos gritos de liberdade pelos quais consciência se esfaima escassa água nunca mais jorrou das torneiras sangrentas
vacinadas ao arcaboiço físico dando robustez à estrutura um canhão potente abre novo curso entre fossos de ideais uns perecem pra que outros sobrevivam à emulação vérmica
insufla-se Homens a provar do banquete da morte silenciosa abrem-se corpos à facada e golpes para que sangue jorre
e sirva-se à paixão pela cruz o jarro na mesa do peregrino.
MAR TRISTE
Queima o corpo ao fogo ateado pelo espírito
evasivo sentimento que cerca o ser
enche a garrafa inteira de medo
seja refrigerador ou inflamante
ele trepa as varandas da casa
com a luz do vaga-lume a seu palato
porções de angústia sorvem o corpo intragável
sinalização do oceano engole a terra e seus limites
mangais afogam às ondas de água erigida pelo destino
o dia nunca repete mesmas tristezas do dia transacto
rememora a dor com as toalhas usadas para limpar
a tristeza banhada pelas águas do mal no ocenado
renascem renovadas e com novas lágrimas a tolher
tanques suportados pelos grandiosos edifícios de miséria
do sentimento agreste em paredes desgastadas pelo tempo.
POEMA DESCONFINADO
Levantou a cama abissal de plástico
com rouquidão na voz da alma peregrina
arcaboiço munido de arsenal da profundeza do sono
naufragou às aguas do tempo rejubilado na mente
ao ritmo de uma voz lânguida, mas vivente,
como Lázaro deixou se chamar pelo destino
– Perseverai, homem!
Alfinetou a embarcação e saiu pela porta dos fundos
jogou a máscara ao chão e lavou a língua a álcool
desinfectou novos e velhos caminhos por perlustrar
vacinou as costelas da camisa de forças
saiu à multidão e espirou sobre a luz
que solapou aos enamorados por se ilustrar
desconfinados num afectuoso abraço
o beijo ao queixo desinfectou os ombros
carregados de cor num barril de afecto
comoveu para os demais o desafecto
à aluída arquitetura dos anéis do olhar
com furados pneus acendeu as luzes do olhar
prendeu a dúvida ao calabouço da cogitação
não houve matéria por se questionar o acto
porém, houve ligeireza na prontidão do auto
confinando a consciência desconfinada em celas do tempo.
Deusa nasceu em Moçambique, é mestre em Contabilidade e Auditoria. Professora na Universidade Pedagógica e na Universidade Politécnica, e Gestora Financeira do Projecto Global Fund – Malária. É representada pela agência literária Capítulo Oriental. Publicou em vários jornais e revistas, é colaboradora da revista portuguesa InComunidade e colunista do jornal Correio da Palavra. Participou e organizou várias antologias. É coordenadora geral da Associação Cultural Xitende e curadora de Festivais Internacionais de Poesia, entre outros. Escreveu A voz das minhas entranhas (poesia, Fundac, 2014), Ao encontro da vida ou da morte (poesia, Letras de Angola, 2016) e Equidade no Reino Celestial (romance, Letras de Angola, 2016). Alguns dos seus trabalhos foram traduzidos para sueco.
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